A história da Educação Musical brasileira
Por Rosangela Lambert
Em nosso artigo anterior, “Como começou a educação musical?”, apresentamos um panorama inicial de importantes transformações ao longo dos séculos no campo da educação musical no mundo ocidental. Agora propomos uma reflexão sobre a trajetória da educação musical brasileira.
Após o descobrimento, para cá vieram os jesuítas, os primeiros educadores do nosso país, que inevitavelmente trouxeram valores e práticas que iriam exercer influência no conceito da educação no Brasil. Pode-se observar na ação jesuítica o rigor metodológico e a imposição da cultura lusitana, desconsiderando a cultura local. Durante o período colonial (1500-1815), a educação musical estava diretamente vinculada à Igreja Católica e ao repertório musical europeu; fora dela tinha caráter profissionalizante, por meio de aulas particulares.
Em 1854 instituiu-se oficialmente o ensino da música nas escolas públicas brasileiras, o qual deveria abranger dois níveis: “noções de música” e “exercícios de canto”, porém nada, além disso, foi explicado no texto da lei vigente.
O Canto Orfeônico
Na década de 1910 os educadores João Gomes Junior e Carlos Alberto Gomes Cardim iniciaram em São Paulo o trabalho de organizar a disciplina Música – já existente nas escolas públicas – na modalidade de canto coral. Paralelamente, a migração da família do músico espanhol Lázaro Lozano para Piracicaba, proporcionou o início do movimento orfeônico, o qual teve origem na Prússia, em 1831, e que ganhou impulso também na Inglaterra, Espanha e nos Estados Unidos ao longo da segunda metade do século XIX.
Esta iniciativa foi apoiada por Honorato Faustino, flautista e diretor da Escola Normal de Piracicaba, e João Baptista Julião, músico de bandas locais, que publicaram manuais didáticos de canto orfeônico.
Heitor Villa-Lobos esteve em Paris na década de 20, onde conheceu os métodos ativos de educação musical e se encantou com a proposta de Zoltán Kodály, uma vez que priorizava o uso de material folclórico e popular da própria terra e a ênfase no ensino da música por meio do canto coral.
Tendo retornado ao Brasil em julho de 1930, encontrou um ambiente propício aos seus ideais cívico-patrióticos e elaborou um plano de educação musical, o qual teria sido inspirado no trabalho que já vinha sendo realizado pelos irmãos Fabiano Lozano e Lázaro Lozano.
Assim, em 1932, surgiu oficialmente a disciplina “Canto Orfeônico” nas escolas públicas do Rio de Janeiro. Villa-Lobos assumiu, neste mesmo ano, a direção da Superintendência da Educação Musical e Artística (Sema), criada para a formação de professores de Canto Orfeônico. As décadas de 30 e 40 foram o período de maior desenvolvimento dessa prática no Brasil.
Aproximadamente nesta mesma época, chegava ao Brasil, em 1937, o professor alemão Hans Joachim Koellreutter, trazendo para cá pela primeira vez na história da música brasileira ideias que valorizavam a pesquisa e a experimentação. Sob sua orientação, as propostas para o ensino de música ganharam nova dimensão, com ênfase em processos criativos, infelizmente em âmbito restrito.
A segunda metade do século XX
Nas décadas de 50 e 60 os educadores musicais Liddy C. Mignone, Sá Pereira, Gazy de Sá, Maria de Lourdes Junqueira Gonçalves, Cacilda Borges Barbosa, Carmen Maria M. Rocha, entre outros, introduziram os “métodos ativos” de educação musical em escolas especializadas no ensino de música, principalmente no Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador.
Paralelamente, nas escolas públicas, com a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em 1961, o “Canto Orfeônico” perdeu espaço e foi substituído em 1964 pela “Educação Musical”, mas na prática as aulas não diferiam da proposta anterior.
Essa LDB foi substituída por uma nova, em 1971. As disciplinas “Educação Moral e Cívica” e “Organização Social e Política do Brasil” tomaram o lugar do “Canto Orfeônico” no que se referia à missão de promover o patriotismo e o respeito à moral e a música foi incorporada à disciplina “Educação Artística”, com caráter polivalente: o professor deveria dominar quatro áreas de expressão artística: música, teatro, artes plásticas e desenho.
Porém, os cursos de formação de apenas três anos impossibilitava aos professores aplicarem adequadamente as quatro áreas de expressão artística, fazendo com que focassem as artes plásticas em suas aulas. Neste contexto, a música foi praticamente esquecida do cotidiano das aulas devido à sua especificidade enquanto linguagem com características e conteúdos próprios.
A educação musical no Brasil atual
Em 1996, uma nova LDB substituiu a vigente desde 1971, no entanto nada mudou em relação às aulas de música, que continuaram inexistentes. Em 1997 houve a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), um conjunto de orientações para os docentes desenvolverem em cada área do conhecimento. O volume de número seis, intitulado “Arte”, apresenta orientações acerca das quatro áreas já supracitadas, mas devido à fragilidade da lei, a música, enquanto área de conhecimento, esteve ausente das escolas públicas brasileiras por cerca de 40 anos.
Em agosto de 2008 foi aprovada a lei nº 11.769, a qual tornou “obrigatório” o ensino de música nas escolas de educação básica, como conteúdo não exclusivo, sem a exigência de professor habilitado em música e sem especificações de quais conteúdos devem ser trabalhados.
Mesmo longe do ideal, tal lei representa um avanço para os educadores musicais que vêm, há vários anos, em busca da inserção desta área do saber nos currículos das escolas públicas, de forma obrigatória.
Sabemos que a presença efetiva e de qualidade do ensino da música nas escolas públicas depende da clareza da legislação, fato que não ocorre. Será que a história irá se repetir?
Publicado originalmente no blog Terra da Música.