Nuances de uma “nova” música

Por Rosangela Lambert

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O despertar da cidade – Umberto Boccioni

A fim de continuarmos a reflexão proposta no artigo anterior, “Música: como explicar?” https://blog.rosangelalambert.com.br/musica-como-explicar/ gostaríamos de discorrer sobre inovações que aconteceram no mundo da música, principalmente a partir do século XX: a abertura do mundo sonoro, o uso de novos instrumentos e materiais não convencionais e a ampliação de critérios a respeito dos componentes da obra musical.

A música do Século XX

A música do século XX constitui uma longa história de tentativas e experiências que levaram a uma série de novas tendências, técnicas e, em certos casos, também à criação e à utilização de novos sons, materiais que viriam a contribuir para uma ampliação do conceito do que vem a ser “música”.

Seria adequado dizer que tantas mudanças e novas experiências representam reações ao estilo romântico do século XIX? É fato que certos críticos da época descreveram a música do século XX como “antirromântica”. Dentre as tendências e técnicas mais importantes da música deste período encontram-se:

IMPRESSIONISMO, ATONALIDADE, MICROTONALIDADE, EXPRESSIONISMO, MÚSICA CONCRETA, MÚSICA ELETRÔNICA, SERIALISMO, POLITONALIDADE, NEOCLASSICISMO, MÚSICA ALEATÓRIA E O JAZZ.

Vale ressaltar, porém, que nem todos os compositores deste século usaram técnicas “radicais”, mas continuaram a compor de acordo com o estilo romântico, embora tenham utilizado certo grau de “novidade”, como o uso de dissonâncias, antes consideradas inadequadas.

Podemos afirmar que a música deste período deve ser dita no plural, pois se apresenta como uma mistura complexa de muitas e diferentes tendências.

Algumas características marcantes desta “nova” música

Ao investigarmos quatro importantes componentes da música, encontraremos nas obras deste período, características que as definem como “novas”, a saber:

As melodias incluem grandes diferenças de altura, com uso de intervalos cromáticos e dissonantes. São curtas e fragmentadas, ao invés de longas e sinuosas, como no período romântico; também houve composições sem melodias;

As harmonias apresentam dissonâncias – antes evitadas, tensões e uso de clusters (notas adjacentes tocadas simultaneamente);

Os ritmos contêm figuras sincopadas, métricas inusitadas, mudanças de métrica, bem como o emprego de polirritmias – diferentes ritmos ou métricas ocorrendo ao mesmo tempo;

Os timbres incorporaram sons “estranhos”, intrigantes ou exóticos, o emprego de sons desconhecidos tirados de instrumentos já conhecidos, além do emprego de sons inteiramente novos, provenientes de aparelhagem eletrônica ou outras fontes sonoras.

Alguns Compositores ou Músicos Importantes que utilizaram “novos sons” e “novos materiais” em sua música:

Igor Stravinsky (1882-1971), compositor, pianista e maestro russo. Dono de ideias musicais subversivas contribuiu para a mudança de pensamento de diversos compositores posteriores, alargando fronteiras da estética musical. Sua obra “A Sagração da Primavera” (1913), obra que evidencia a renúncia ao universo da lógica e da objetividade, provocou um motim em sua estreia devido ao uso de dissonâncias, do valor conferido à percussão, dos aspectos harmônicos e timbrísticos impraticáveis no contexto do momento.

Heitor Villa-Lobos (1887-1959), músico e compositor brasileiro, destaca-se pelo uso de uma linguagem peculiarmente brasileira em suas obras, utilizando nuances das culturas regionais, com elementos populares, indígenas e da natureza, como o canto de pássaros. Também fez combinações de instrumentos até então não usadas.

Leroy Anderson (1908-1975) foi um notável compositor norte-americano. Em 1950 compôs a obra “The Typewriter”, um concerto para orquestra e uma máquina de escrever.

John Cage (1912-1992), compositor, teórico musical, escritor e artista americano. Foi um dos pioneiros a usar instrumentos não convencionais, bem como o uso não convencional de instrumentos já existentes. Sua obra mais conhecida é 4’33”, composta em 1952. Os músicos não tocam nada durante o tempo especificado no título, ficando apenas quietos, diante do instrumento. O conteúdo da composição não é quatro minutos e trinta e três segundos de silêncio, mas de sons do ambiente ouvidos pelo público durante a audição.

Hans Joachim Koellreutter (1915-2005), compositor, professor e musicólogo brasileiro de origem alemã. Além das técnicas tradicionais europeias, incorporou em suas composições elementos microtonais, da tecnologia eletrônica, do serialismo e da música brasileira.

Hermeto Pascoal (1936), compositor, arranjador e multi-instrumentista brasileiro. “Inventor” de sons originais para criar ou recriar música, organizando-os à sua vontade. Um “homem-orquestra”, como já foi chamado, tocador de instrumentos convencionais e não convencionais, onde todos têm igual status e importância.

Stomp (criado em 1991) é um grupo inglês de percussão e reúne artistas de várias nacionalidades. Realizam performances, produzem sons e ritmos musicais, utilizando sucatas e objetos diversos, como plástico, metal, madeira, vassouras, caixa de fósforos, latas de lixo, entre outros. Além disso, seus componentes transforam o próprio corpo em instrumento de percussão.

Pedro Consorte, integrante do grupo, fala de sua experiência quando começou os ensaios:

“Quando comecei a participar do treinamento para me tornar integrante do show internacional STOMP, tive muitas (re)descobertas em relação ao mundo da música. A mais óbvia de todas foi que a música não dependia necessariamente de instrumentos musicais convencionais.”

Barbatuques (criado em 1995 por Fernando Barba) é um grupo paulistano que desenvolveu uma abordagem sobre a música corporal, explorando timbres e procedimentos criativos. Em suas apresentações o grupo utiliza diferentes técnicas de percussão corporal, percussão vocal, sapateado e improvisação musical.

Para uma conclusão… será?

Como apontado inicialmente, é preciso considerar que, no universo musical da contemporaneidade, estão presentes diversos estilos e materiais sonoros diferentes, com produções híbridas que entrecruzam diferentes linguagens. Trata-se de um processo dinâmico, sobretudo, “em aberto”!

Publicado originalmente no blog Terra da Música.